quarta-feira, 29 de setembro de 2010

DESABAFO















Lucinda
Depois de alguns meses de grande dor e sofrimento, a lutar por uma causa que à partida estava perdida, foi o teu grande desafio durante esta fase muito má da tua vida. Tentar vencer uma maldita e incurável doença, que a cada dia que passava ia avançando silenciosamente destruindo todo o teu corpo. O tempo passava e ias ficando com menos forças para lutar, com um adversário que não dá tréguas a quem tenha a infelicidade de com ele ter de conviver. Jogar o direito de viver era a única hipótese que te restava. Mesmo sabendo que não era fácil lutar com esse gigante invencível, continuaste sempre a tua luta numa derradeira tentativa de conseguir uma vitória, num jogo em que a esperança é a única coisa que nos resta. Mas mesmo sabendo tudo isso nunca deixaste de lutar, debaixo de um doloroso e silencioso sofrimento. Tentado ocultar a dolorosa realidade que se atravessou na tua ainda jovem vida. A par de tudo isto vem uma outra realidade, que acredito ser a que mais te constrangia, deixar sem mãe duas jovens meninas. A vida às vezes é muito severa connosco e difícil de compreender. Estas tuas meninas estão a sentir muito a tua falta. Não só a falta do teu carinho e protecção mas também a do insubstituível amor de mãe. Para também não falar da falta que vais fazer ao teu marido, aos teus irmãos e outros mais familiares, que neste momento também passam por uma fase de grande dor, chorando e lamentando o teu precoce desaparecimento. O teu desaparecimento só será físico, porque irá para sempre perdurar nas nossas memórias. Lucinda, partiste, precocemente para a eternidade, motivo suficiente para que não tenhas conseguido levar ao fim um dos sonhos que todas as mães anseiam. Dar uma vida estável e independente aos filhos. Receber nos nossos braços e aconchegar ao peito os rebentos dos nossos filhos, os nossos netos. Que nos dão muita alegria e alento para continuar a viver em paz e harmonia. Então aqui sim, começamos a sentir que cumprimos o interregno da nossa passagem pela terra, e partirmos para a eternidade em grande paz de espírito, com o sentido de termos cumprido bem o nosso dever. O que infelizmente não é possível a todos nós. Quanto às tuas meninas fica descansada, embora não te consigamos substituir, mas, tudo faremos par as ajudar as ultrapassar esta triste e dolorosa quadra da vida delas.

Diz-se que é mais fácil escrever do que dizer o que sentimos mas tem muito mais valor quando é dito… desculpa já não ir a tempo mas agora quero pôr de lado o cepticismo e acreditar que vais ler e sentir as palavras que te dizemos e mesmo as que ficam por dizer mas são sentidas.
Lembro as palavras do meu primo, teu sobrinho de 9 anos dizer “Não é justo!”. Pois não, a vida não é justa… Infelizmente, não posso fazer nada, mas sabes que mais tia? Obrigado! Talvez fosse uma das tuas missões, dar uma lição a todos nós, uma lição de coragem, força e luta. Mesmo a sofrer, como nenhum de nós imaginará, mantiveste sempre um sorriso para nós, uma palavra amiga e uma mensagem de coragem e fé. A tua vida pode ter sido mais curta do que todos desejaríamos mas foi um presente para todos os que tiveram a sorte de a compartilhar contigo, foste uma boa filha e uma boa mãe, uma boa esposa, uma boa irmã, uma boa tia e uma boa amiga. Alguém que me sorria e dizia “Olá linda”, que ralhava comigo quando era preciso, se sentia feliz com os sucessos dos outros e… temos saudades tuas!
Relembrando a tua missa, que deixou uma certa mágoa em nós (pelo menos para os que não estão habituados a frequentar esses “eventos”), o teu maior legado não é material, mas não tem preço… chama-se amor… e vê-se nas tuas filhas, na personalidade delas e na força que têm demonstrado.  Estarás sempre connosco!

Acácio Moreira
C.Moreira

sábado, 18 de setembro de 2010

CONTOS DE FAJÃO

A ÉGUA QUE PARIU UM VITELO
Uma vez um homem de Fajão e outro das Relvas foram à feira. Um comprou uma vaca e outro comprou uma égua. E por sinal ambos os animais andavam pranhos, quase a parir. Na volta da feira chegaram às Relvas ao anoitecer, e como para Fajão ainda era longe, o homem das Relvas convidou o companheiro a ficar ali para o outro dia. Ele aceitou, e meteram ambos os animais na mesma loja.
Ao outro dia apareceu na loja um vitelito. Logo o dono da égua se apressou a dizer: Olha, a minha égua já tem aqui um vitelo!
-Não é nada! É da minha vaca!
Discutiram, discutiram, até que resolveram ir a Fajão consultar o Juiz. Ele é que diria de quem era o vitelo.
Lá abalaram com os animais. Passaram na ponte de Cartamilo, na Barroca das Carvalhas, subiram as voltinhas, e quando iam já perto do Reboludo, nem de propósito: vinha o Juiz de Fajão a chegar à estrada, vinha de uma propriedade  que tinha lá em baixo à borda do rio e trazia ao ombro uma sachola e uma abóbora debaixo do braço. Logo ali os dois apresentaram o assunto, cada um, é claro, puxando a brasa à sua sardinha. O Juiz ouviu, mas logo se fez muito exaltado e disse muito nervoso: Deixem-me, que eu hoje venho fora de mim, venho mesmo estaporado! Não posso hoje dar sentença.
-Então que é isso, Sr. Dr. Juiz, que foi que lhe aconteceu?
-Então não querem saber? Eu tinha lá em baixo à borda do rio um bocado de trigo que era um louvar a Deus! Estava mesmo bonito. Mas esta noite as trutas saltaram-me nele e comeram-no todo.
-Isso não pode ser, disse  logo o dono da égua. Tenho pescado muita truta, mas da idade em que estou nunca ouvi dizer que as trutas saltassem para o lameiro para comer erva. E vai logo o Juiz de Fajão:  Pois eu, da idade em que estou, também nunca ouvi dizer que uma égua pudesse parir um vitelo!
Estava ditada a sentença.
( Do livro Os Contos de Fajão,  por  P.e A. Nunes Pereira)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CONTOS DE FAJÃO

O QUEIJO NO RIO
Certo dia, ainda de madrugada, iam os de Fajão para a feira do Mont' Alto. Quando iam a passar
na ponte de Cartamilo,que então era de madeira, viram a Lua reflectida na água, (por acaso era lua-cheia), e vai um aqui assim; Olhem que belo queijo lá está em baixo! E se nós o fossemos buscar ?
-Mas é que vamos mesmo, disse o Pascoal.
-Mas como?
-É fácil. Eu penduro-me aqui nas grades da ponte, tu penduras-te nos meus pés, e assim por diante, até que o último chega lá abaixo e apanha o queijo. Boa ideia! - aprovaram todos.
Quando já faltava só um para chegar ao queijo, diz lá de cima o Pascoal: ««Eh! rapazes, segurem-se lá, que quero cuspir nas mãos !»»
Largou as mãos para cuspir, e caíram todos ao rio. E o pior é que, como estavam todos aprumo, ficaram com as pernas todas embaralhadas; queriam sair, mas não sabiam quais eram as pernas de cada um, de modo que ficaram pr'ali...
Por acaso adregou de passar na ponte um almocreve. O almocreve quando viu aquele monte de homens no rio, perguntou o que era aquilo. Eles contaram-lhe o sucedido, e que não podiam sair dali porque não sabiam quais eram as pernas de cada um.
Diz o almocreve: Quanto dão vocês a quem vos diga quais são as vossas pernas?
-Trinta mil réis e uma carga de presuntos (era o dinheiro de Fajão).Então ele não esperou por mais nada. Tirou o arrocho da carga da mula e começou a bater nas pernas de uns e  outros. Ui! - gritava um. - « Tire, que essa é sua», respondia o almocreve. Batia noutra, -Ui ! - « Tire, que essa é sua ».
E assim,  um a um , tirou-os todos.


Do livro, Os contos de Fajão. por: P.e A. Nunes Pereira